Veterinários entre a paixão e o esgotamento: quando cuidar cobra um preço alto
A medicina veterinária nasce da paixão pelos animais, mas rapidamente se transforma em uma profissão que exige dedicação, responsabilidade e resiliência. Cada atendimento, cirurgia ou resgate é um equilíbrio entre amor pelos animais e os desafios diários de uma carreira intensa, emocionalmente exigente e, muitas vezes, pouco reconhecida. Esta profissão marcada pelo compromisso com a saúde, tanto dos animais, quanto do homem. No entanto, por trás da imagem de realização e carinho, existe uma realidade dura que afeta muitos profissionais: a veterinária está entre as carreiras com maiores índices de burnout e suicídio no mundo ( World Health Organization, 2019; Tomasi et al., 2019).
Burnout e esgotamento emocional no dia a dia do veterinário
O burnout é uma síndrome causada pelo estresse crônico no trabalho e se manifesta através de exaustão emocional, perda de motivação e sentimento de ineficácia. Veterinários enfrentam jornadas longas, sobrecarga de atendimentos, contato constante com dor e sofrimento animal, além da pressão de lidar com expectativas altas de tutores. A responsabilidade de tomar decisões difíceis — muitas vezes relacionadas à vida ou à morte de um animal — intensifica ainda mais o desgaste (Maslach & Leiter, 2016; Nett et al., 2015). 
Outro fator que contribui para o alto nível de sofrimento psíquico é a questão financeira. Apesar de anos de estudo e dedicação, muitos veterinários recebem salários abaixo da média de outras áreas da saúde, acumulam dívidas com clínicas próprias e convivem com a instabilidade do mercado. Essa disparidade entre esforço e retorno financeiro gera frustração e sentimento de desvalorização (American Veterinary Medical Association, 2020; Bartram & Baldwin, 2010).
O resultado desse conjunto de pressões é alarmante: estudos internacionais mostram que veterinários têm uma taxa de suicídio significativamente superior à média da população. Pesquisas no Reino Unido e EUA apontam que o risco de suicídio entre veterinários pode ser de 2 a 4 vezes maior do que na população geral (Bartram & Baldwin, 2008; Platt et al., 2012). Entre os principais motivos estão o estresse extremo, a sensação de impotência diante de certas situações clínicas, o isolamento social e a facilidade de acesso a meios letais dentro da profissão.
Há ainda a pressão social de que o veterinário deve assumir a responsabilidade pelos problemas dos tutores e dos animais resgatados, como se fosse obrigação da profissão arcar com custos que não são de sua responsabilidade. Muitos profissionais enfrentam situações em que são criticados ou até hostilizados por cobrarem honorários justos, já que a sociedade, muitas vezes, espera que seu trabalho seja gratuito em casos de abandono, maus-tratos ou quando os tutores não têm condições financeiras. Esse tipo de cobrança social amplia o peso emocional e financeiro sobre o veterinário, que já lida diariamente com dilemas éticos e profissionais (Bartram & Baldwin, 2010; Platt et al., 2012).
Nesse contexto, torna-se necessário cultivar a empatia com o médico-veterinário. É fundamental que tutores e a sociedade compreendam que, por trás do jaleco, existe um ser humano que também sofre, tem limites emocionais e enfrenta dificuldades financeiras. Respeitar o valor do trabalho veterinário, reconhecer sua carga emocional e apoiar sua saúde mental não são apenas gestos de gratidão, mas atitudes que podem salvar vidas e fortalecer toda a classe profissional.
Diante desse cenário, torna-se essencial falar sobre saúde mental na medicina veterinária. Promover redes de apoio, incentivar a busca por acompanhamento psicológico, melhorar as condições de trabalho e valorizar de forma justa esses profissionais são passos fundamentais para reduzir o impacto do burnout e, principalmente, para salvar vidas (Royal College of Veterinary Surgeons, 2021; World Small Animal Veterinary Association, 2020).
A profissão veterinária é vital para a sociedade e para o bem-estar animal. Reconhecer suas dificuldades é também um ato de respeito e cuidado com quem escolheu dedicar sua vida a cuidar de outras vidas.
Se você é médico-veterinário ou conheceu alguém que enfrenta sintomas de burnout, exaustão emocional ou qualquer outro sofrimento mental, não precisa enfrentar isso sozinho. O Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP) oferece informações úteis, orientações e apoio – visite o site oficial para saber mais e buscar ajuda: Precisamos falar sobre a Síndrome de Burnout
Referencias
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Nett, R. J. et al. (2015). Risk factors for suicide, attitudes toward mental illness, and practice-related stressors among US veterinarians. Journal of the American Veterinary Medical Association, 247(8), 945–955.
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Platt, B., Hawton, K., Simkin, S., Mellanby, R. J. (2012). Systematic review of the prevalence of suicide in veterinary surgeons. Occupational Medicine, 62(6), 436–446.
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Tomasi, S. E. et al. (2019). Suicide among veterinarians in the United States from 1979 through 2015. Journal of the American Veterinary Medical Association, 254(1), 104–112.
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World Health Organization. (2019). Burn-out an “occupational phenomenon”: International Classification of Diseases.
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American Veterinary Medical Association. (2020). Veterinary wellbeing statistics.
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Royal College of Veterinary Surgeons. (2021). Survey of the profession.
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World Small Animal Veterinary Association. (2020). Global guidelines for veterinary mental health.



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